25 de set. de 2018

A minha ditadura.




A justificativa de muitas pessoas para apoiarem um retorno à ditadura é que viveram muito bem naqueles tempos. Não sentiram o peso do chicote e da injustiça porque são “boas pessoas com nada a temer”.

Quando criança também não senti, toda minha família não sentiu. Éramos, e somos ainda, pessoas simples, trabalhadores honestos com preocupações mundanas de sobreviver ao dia a dia da melhor maneira possível e no meio tempo nos divertimos uns com os outros em nossa simplicidade.

Na minha adolescência não senti, nem minha família. Continuávamos vivendo simplesmente, fazendo o possível para sobreviver, o que era cada vez mais difícil.

E então meu pai faleceu de maneira súbita, tão jovem que só tive noção de quão jovem ele era quando atingi a idade em que morreu, meros 39 anos.

Em menos de 15 dias me vi adulta. Com 17 anos me vi obrigada a encarar uma vida a qual não estava preparada. Ser responsável por uma família, pagar aluguel, colocar comida na mesa, esta era minha nova realidade.  De caçula da família passei a chefe de família e apesar de ser a morte de meu pai que me levou a minha nova realidade, não foi uma realidade trágica. Difícil? Sim, mas em pouco tempo me fez perceber que eu era mais do que sempre acreditei.

Naqueles tempos cada vez mais difíceis, o final da ditadura, foi onde eu aprendi que minha vida até ali tinha sido resguardada e que tivera muita sorte em viver simplesmente. Conheci pessoas engajadas na política que me mostraram o que havia de errado em um mundo sem liberdade. Eu, inocente, nunca havia percebido, vivia em um mundo protegido por nossa simplicidade.

O mundo mudou e eu aprendi cada vez mais. Tornei-me uma pessoa que fala o que pensa sem medo de represálias, que escreve o que pensa sem medo de represálias, que age como quer sem medo de represálias. Cresci como ser humano, trabalhadora e mulher nesta democracia agora ameaçada.

Sou classe média e me orgulho disso. Quando meu pai faleceu estávamos quebrados, mas meu irmão e eu conseguimos achar nosso lugar no mundo sem ajuda de ninguém. Com nosso esforço e dedicação fizemos, dos escombros em que fomos deixados em 1981, um lar.

E então chegamos ao agora. Século XXI, tecnologia avançada, o mundo encolhido para caber em um monitor de laptop e vejo tudo que passei para chegar aqui ameaçado.

Não consigo entender nenhum dois lados nesta batalha. A esquerda se provou falha, corrupta e mentirosa. Seu discurso velho de ódio à classe média e a favor dos pobres e necessitados, quando eles vivem no luxo que nós da classe média lhes proporcionamos com nossos impostos, é para mim revoltante. Enquanto pregam o ódio àqueles que levam o país nas costas, suas famílias sem educação e cultura, se banham em ouro e riem dos que ainda acreditam neles.

A direita é para mim ainda mais incompreensível, pois eu entendo os que apoiam a esquerda achando que miraculosamente vão trocar de lugar com a classe média sem ter que levantar um dedo para isso. Alias nunca vi alguém da esquerda dizendo que quer trabalhar duro para conseguir melhorar de vida, como eu fiz, só o que vejo é pessoas querendo viver às custas do esforço alheio. Ayn Rand sabia bem do que falava.

Mas voltando à direita...

Vejo amigos queridos apoiando um homem colérico que diz que é a favor da tortura e que a morte de inocentes não é nada se ele atingir seu objetivo. Porque não se engane, é somente o seu objetivo que importa. Um homem que já disse em mais de uma ocasião que fechará o congresso e trará de volta a ditadura, onde pessoas acostumadas a falar o que querem em suas paginas do Facebook serão provavelmente presas e torturadas por terem opinião.

Este homem odeia. E ele odeia tantas coisas que não imagino o que sobraria de seu reinado. O que mais escuto de seus admiradores é que nós, as mulheres que não o suportam, somos esquerdistas e andamos nuas pelas ruas fazendo protestos toscos. Desculpem, não é assim. Mulheres como eu, que lutaram a vida toda para ser aceitas como profissionais, que deram duro por sua família, mas que ainda sempre ganharam menos do que os homens em mesmas posições, sabem que se este homem ganhar voltaremos aos anos 50. Ele nos tirará cada centímetro que ganhamos em nossa luta pela igualdade.

Feminismo não é uma palavra chula. Não nego que acredito que muitas mulheres a usam de forma errada. Feminismo para mim é a luta por ter meus valores, crenças e habilidades reconhecidas pelo que são e não pelo meu gênero.

Seus outros desafetos, homossexuais, negros, índios e afins, sofrerão ainda mais, pois nós mulheres ele simplesmente considera inferiores à sua grande pessoa, mas os outros são uma ameaça a sua mente pequena e “cristã”. 

A ditadura que vivi não me afetou. Vivíamos pequeno demais para incomodarmos quem quer que seja, mas hoje tenho uma voz. Uma voz que gosta de dividir pensamentos como estes e tremo de pensar que alguém me calará. Não quero calar. Não quero ver minha voz, pequena que seja, perder a liberdade de expor opiniões. Não quero que pessoas que amo percam o direito às suas vidas porque são gays. Não quero um homem ditando o que todos devemos fazer sem se importar com nossos desejos.

Quero acredita que as pessoas que o apoiam não fazem idéia do que realmente acontece em uma ditadura. Talvez tenham vivido pequeno como eu ou, se jovens, nunca se deram o trabalho de se informar. Mas, conhecendo a humanidade, talvez estejam agora deixando o mundo ver o quanto odeiam, o quanto são preconceituosos e maldosos, achando que estão salvos, em sua escolha, dos horrores que ele trará.

Ditadura. A palavra basta, ou deveria, para expor o quão errada é.

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