31 de jul. de 2018

Tempo





Você percebe que o tempo passou de muitas formas. Quando jovem temos uma energia imensa, uma necessidade de agarrar a vida pelo pescoço e apressá-la em seu passo. Dormimos por longos períodos, recuperando o fôlego e quando acordamos somos imediatamente tomados pela necessidade de descobrir novas formas de galopar pela vida. 

Lembro-me como se fosse ontem de trabalhar por 12, 14 horas sem parar e ainda sair para dançar, varar a noite, voltar a trabalhar por mais 10, 12 horas e no fim de semana sucumbir ao sono, perdendo metade dos dias de descanso para Orfeu.

As semanas eram intensas, muito trabalho, mas também muita diversão. Muito raramente sentia meu corpo pedir por descanso e somente nos fins de semana me permitia dormir sem freio ou alarme. Acordava às 2 horas da tarde para um estomago roncando e a mente turva por algumas horas até consumir algumas canecas de café.

O tempo passa de muitas formas e você percebe isso quando vê seu corpo mudar. Ganhar forma, depois ganhar massa, seu rosto afinar e depois encher novamente com a idade, mas é na sua cabeça que a grande mudança acontece.  
Tenho pena da Eu jovem, como ela se importava com a opinião alheia, como se as pessoas não fossem capazes de odiar sem motivo, de prejudicar sem provocação. Era em si mesma que buscava o motivo das pessoas serem como eram e fazerem o que faziam, sem entender que ciúmes, inveja e pura maldade moram em muitas pessoas com rostos compostos e felizes. Essa busca interna por uma imperfeição que não existia só lhe trouxe problemas, problemas estes que a levaram a tomar decisões erradas, tentar comprar o amor das pessoas erradas e por fim se sentir errada em cada ato e pensamento.

Mas o tempo passa e sabemos que passa quando olhamos pra trás e vemos que muito sofrimento teria sido evitado se tivéssemos nos aceitado sem restrições, se não tivéssemos acreditado que outras pessoas conheciam nossos corações melhor do que nós mesmos. No fim, tudo é um aprendizado, nem sempre doce, nem sempre belo, mas um aprendizado que somente o tempo fazendo o que sempre faz, caminhando inexoravelmente para o futuro, o faz entender se melhor sem medo, sem terceiras opiniões e, por fim, quando sua cabeça repousa no travesseiro, sabe que a pessoa que levanta de sua cama a cada dia será sempre a mesma. Pode não ser uma pessoa perfeita, pode não ser uma pessoa amada por todos, mas com certeza será uma pessoa que olhou para todas as opiniões e viu que raramente estas estavam baseadas na realidade, mas sim na frustração das pessoas que acham que podem apontar suas próprias falhas em terceiros.

Durmo pouco agora. Ás vezes acordo no meio da noite e leio até o amanhecer. Já não tenho tanta energia, mas ainda faço o que é preciso antes das costas doerem e as pernas falharem, não importa o que seja. Caminho 5 km sem me cansar, apesar de ainda ficar com o rosto vermelho como sempre fiquei, mas caminho sorrindo,olhando meu bairro, conversando com pessoas que vejo todos os dias, mas que não disseram ainda seus nomes.  Gosto de ao fim do dia encontrar a mim mesma e descansar fazendo o que gosto, não o que esperam de mim. Não me incomoda a solidão, apesar de amar muitas pessoas, não vivo para elas, mas sim em sua companhia.

Tenho sorte em muitas coisas e nenhuma em outras, mas isso é a balança sempre se equilibrando e pendendo a cada grão de poeira que cai.

Quando o tempo passa, como ele sempre costuma fazer, percebemos que no fim poucas coisas importam, mas das que importam devemos cuidar com muito, muito carinho.

25 de jul. de 2018

Hercule Suchet Poirot

David Suchet como Poirot


Meu primeiro livro de Agatha Christie foi um protagonizado por Poirot e de todos seus personagens ele é ainda meu preferido.

Este homenzinho empertigado, meticuloso e egocêntrico, me acompanha por mais de quarenta anos. Não sei quantas vezes reli seus livros, mas sei dizer que a cada vez eles me deram muito prazer.

Todo leitor quando ama um personagem imagina o mesmo em detalhes e Poirot, que tem sua descrição em mais de meia centena de contos e romances, é muito “vivo” em minha mente.

Durante muito tempo esperei para ver meu Poirot e sempre me decepcionando. Não que Albert Finney, em Murder on the Orient Express de 1974, não tenha feito um belo trabalho, mas não era meu Poirot. Este Poirot, para mim, era mau-humorado demais, lhe faltava a finesse que é a marca do homenzinho, o sarcasmo polido que confunde aqueles com menos celulas cinzentas. Sua aparência também deixava a desejar, de alguma maneira o Poirot de Finley parecia mal-ajambrado.  Mas claro que amei ver minha Agatha e meu amado Poirot mesmo assim.

Nova decepção, mas das mais divertidas com Peter Ustinov em Death on the Nile de 1978, Evil Under the Sun de 1982, Thirteen at Dinner de 1985, Murder in Three Acts de 1986 e Dead Man’s Folly também de 1986. Todos estes filmes mais do que deliciam os fãs de Agatha, mas Peter Ustinov não é Poirot. Nem de longe. Ele é um, muito divertido, detetive, mas nunca Poirot.

Depois de algumas décadas de espera esbarrei em meu perfeito e vivo Poirot. Procurando séries inglesas para meu mano Urso descobri que desde 1989 o maravilhoso David Suchet encarnara o meu mais amado detetive e o continuou fazendo ao longo de 25 anos, contando as tramas dos 70 livros e contos que me deleitaram desde a adolescência.

Ele é mais que perfeito, é a encarnação do homenzinho mais irritante e amado do mundo. Mas não é somente Suchet que faz de cada uma das estórias uma pedra preciosa, toda a série foi feita com extremo cuidado. Fotografia, figurino, roteiro e direção são tão importantes quanto Suchet. Cada ator escolhido para contracenar com Poirot parece ter nascido para o papel (mas é o “mal” dos atores ingleses, sempre perfeitos) e a personificação de Capitão Hastings e Ariadne Oliver, companheiros de Poirot em tantas investigações, Miss Lemon, sua secretária perfeita e Chief Inspector Japp é também perfeita.

Depois de ver David Suchet dar vida ao mais do que difícil detetive, sei que nunca mais verei um novo Poirot como ele. Posso assistir a novas adaptações, mas somente como passatempo. Minha busca terminou. Poirot só existe um e este é David Suchet.


Merci, mon ami...

Hugh Fraser como Capitão Hastings 

Zoe Wanamaker como Ariadne Oliver

David Suchet como Poirot
Pauline Moran como Miss Lemon
Philip Jackson como Chief Inspector Japp
Hugh Frase como Capitão Hastings



24 de jul. de 2018

Agatha, oh Agatha...




Ler é um dos meus maiores prazeres. Não me importo muito, como muita gente, em ler somente clássicos, o que é considerado “literatura”, mas adoro também os livros pipoca. Fantasias, romances, ficção, o que puder colocar minhas mãos, contanto que o escritor seja um bom contador de historias e seus personagens tenham personalidade.

 Dickens, Shakespeare, Stephen King, Alexandre Dumas, Jane Austin, Neil Gaiman, Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe, J. K. Rowling, Raymond Chandler, Georges Simenon, Boris Akunin, Dashiell Hammett, Andrea Camilleri, Jodi Picoult, Meg Cabot, Janet Evanovich e talvez a mais importante Agatha Christie, são todos excelentes contadores de historias. Não são os únicos, mas os que me vem à cabeça nessa hora. Não importa o que escrevam sempre conseguem te envolver em suas tramas, seus dramas, suas excêntricas comédias e seus romances.

Lembro da primeira vez que li Dickens, David Copperfield, e como foi difícil passar as primeiras cinqüenta paginas. A todo o momento tinha que atirar o livro na parede (figurativamente, claro) de tão dolorosa era a leitura. David não sofria sozinho, eu estava lá ao seu lado e o não poder confortá-lo na sua infância odiosa me deixou em prantos.

Talvez seja assim que você reconhece um bom contador de historias, quando ele deita as palavras no papel elas passam para sua alma de uma maneira que é impossível não sentir cada percalço, cada sucesso e exultar quando finalmente o final feliz chega.

Dickens, Jane Austin e Stephen King, para mim, são os mestres, pois seus personagens são tão reais como o casal que mora ao lado ou a velha solteirona do segundo andar. Eles existem em sua vida, você já os conheceu com outros nomes, em outras cidades, em outras décadas.

Mas quem me levou a eles foi Agatha Christie.

Quando comecei a ler eram os romances do século passado, livros já gastos que minha mãe ganhara quando jovem. Para uma menina eram um mundo lindo e cheio de sonhos a serem tecidos. Tragédias, atribulações e finalmente o amor vencendo.

E então, em um fim de semana com Tia Hilda, sem ter o que fazer revirei suas estantes e me sentei em sua sala pequena e perfeita com um livro de Agatha Christie e meu mundo mudou.

Você não somente lê Agatha, você discute com ela, reclama das informações que ela escondeu para te impedir de adivinhar o assassino, ri de seus personagens ricos e tão freqüentemente hilários e se diverte imensamente com historias absurdas, mas incrivelmente perfeitas para você. E assim ela te leva a pensar que existem mais escritores e será que existirão outras Agathas?

E com ela vieram os outros e incontáveis dias e noites de prazeres e sofrimentos fictícios que me abriram os olhos para tanta coisa que ignorava no mundo.

Para muitos leitores é importante manter o prestigio de leitor somente tendo olhos para os Dostoiévskis ou Tolstoys, mas isso é uma tolice imensa. Você pode aprender muito lendo Harry Potter de J.K. Rowling, Bag of Bones de Stephen King ou My Sister's Keeper de Jodi Picoult. O que você ganha com um bom contador de historias é infinitamente belo e o leva a querer cada vez mais.

Essa foi a mágica que Agatha trouxe à minha vida e até o fim de meus dias serei grata a ela.

23 de jul. de 2018

O seio da questão ou a questão do seio




Tem algumas coisas que me incomodam e o debate sobre a amamentação em publico é uma destas coisas. Para mim, apesar de entender as motivações, nenhum dos lados luta pela coisa certa ou luta mostrando a coisa certa.

Amamentar seu filho é um ato dos mais belos e é ainda mais belo quando você vê uma mãe que o faz não só para nutrir, com impaciência e cansaço, mas com um sorriso que demonstra o quanto este elo invisível entre mãe e filho é importante para ela. É belo, sim, trás muitas vezes lagrimas aos olhos ver uma mãe neste momento frágil. E frágil é a palavra para mim.

Uma mãe não pode se prender à sua casa somente porque algumas pessoas acham que amamentar em publico é quase um ato pornográfico e temos muitas pessoas que pensam assim porque seus cérebros são esgotos e somente vêem o que de pior podem tirar de uma situação.

Dito isto, me pergunto... é necessário expor seu seio e sua criança a olhares maldosos?

Para você, no mundo em que seu filho é mais importante que tudo, e está faminto, nada importa, mas aquele sacana ao lado está de olho, está feliz pelo show pensando que nem precisa entrar na internet para ver algum peito nu.

E é ai que entendo quando aquela senhora de idade olha o espetáculo e diz que é uma vergonha, não porque é pudica, mas porque vem de uma época em as mulheres tinham mais respeito pelo próprio corpo. 

O que ela vê é a exposição desnecessária, o que uma fraldinha cobrindo o seu bebe e seu seio resolveriam em um segundo.

Já vi muitas mães amamentando e confesso que as que arrancam o peito para fora no vagão do metrô ou no meio da padaria me deixam profundamente desconfortável. Não pelo peito, entenda, mas pela atenção masculina que gera. Como mulher ver olhares lascivos apontados, mesmo que disfarçados, a uma mãe e seu bebê me irrita e constrange. A irritação vai para ambas as partes, mãe que não se protege e homens sem noção, e o constrangimento é como uma toalha molhada em qualquer lugar que isso acontece. Porque é desnecessário. Porque é expor um ato lindo para uma cambada de estranhos.

A briga aqui não deveria ser se você pode expor seu seio ao mundo. A briga deveria ser sobre você poder amamentar seu filho em qualquer lugar, em segurança e em paz.

Assim como as feministas de hoje que acham que a briga é sobre poder fica nua na rua ou dar pra quem quiser, a briga das mães perdeu seu rumo e sentido para mim.

Proteja seu filho. Proteja seu corpo. Não se exponha em um mundo com cada vez mais predadores sexuais. Exija seu espaço seguro. Faça seu espaço seguro. 

Essa é a guerra.